Há 230 milhões de anos, um dinossauro herbívoro e tamanho bem acima da média corria pelos campos do que hoje é o município de Agudo, no Rio Grande do Sul. Agora, tudo o que resta da sua existência é o terço do seu esqueleto que foi estudado pelo paleontólogo Flávio Pretto, do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia, associado à Universidade Federal de Santa Maria, também do RS.
Pretto descreveu a descoberta em estudo publicado no final de maio, com co-autoria dos paleontólogos Max Cardoso Langer e Cesar Leandro Schultz, no periódico científico Zoological Journal of the Linnean Society, atualmente editado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Foi durante o doutorado que o paleontólogo notou que não estava lidando com um fóssil qualquer: tratava-se de uma espécie totalmente nova, que ainda não havia sido descoberta, e era também bastante “inovadora” para a época em que vivia.
O esqueleto passou por uma série de análises, começando com a coleta do material, que foi feita em 2007. Em 2012, o pesquisador se deparou com ele e decidiu estudá-lo, iniciando as comparações anatômicas do fóssil com outros animais que viveram durante o mesmo período.
“Isso envolveu visitar coleções em outros países, colocar os espécimes lado a lado e fazer uma busca minuciosa por características anatômicas”, explica. Após a etapa, a hipótese inicial dos paleontólogos caiu por terra, pois o fóssil não pertencia a um indivíduo adulto de alguma espécie conhecida, mas sim de uma nova.
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REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DO ESQUELETO DE BAGUALOSAURUS AGUDOENSIS; OSSOS PRESERVADOS REPRESENTADOS EM COR MAIS CLARA. (ARTE: FLÁVIO PRETTO) |
Definido isso, os paleontólogos descreveram os ossos descobertos, que incluem boa parte do crânio e da mandíbula, algumas costelas e partes da coluna vertebral e a maioria dos ossos dos membros posteriores.
O dino ganhou o nome de Bagualosaurus agudoensis, uma referência à expressão gaúcha “bagual”, que é usada para se referir a animais grandes e selvagens, e à cidade onde o fóssil foi encontrado. “Foi uma brincadeira que surgiu antes mesmo de começar a estudar o animal”, conta Pretto. “Quando a gente viu o fêmur do dinossauro [que mede 25 centímetros], surgiu a interjeição ‘Nossa, mas olha só, era um bicho bem bagual mesmo. Olha que grande que ele é'."
O nome pegou e as pessoas começaram a se interessar mais pelo fóssil: “É interessante quando a ciência ganha um pouco de informalidade, porque acaba atingindo melhor as pessoas. O povo de Agudo gostou bastante do nome e isso levou as pessoas a quererem se informar e conhecer um pouco mais do nosso trabalho”.
O dino gaúcho
A primeira característica que chamou a atenção dos paleontólogos foi o tamanho do fóssil, que era muito maior do que o das outras espécies que conviviam com ele no início do Triássico Superior. Entre elas, estão o Staurikosaurus pricei, o Saturnalia tupiniquim, o Buriolestes schultzi — uma espécie recém-descoberta que media cerca de 1,2 metro de comprimento — e o Pampadromaeus barberenai, que foi encontrado na mesma região que o Bagualosaurus agudoensis e que fez os paleontólogos tomarem um cuidado redobrado para descobrir se eram ou não indivíduos da mesma espécie.
De acordo com as estimativas dos pesquisadores, o Bagualosaurus tinha 2,5 metros de comprimento, podendo chegar a até três. “Comparado aos outros dinossauros da época, o fêmur dele era bem maior. Dava perceber isso só de colocar os ossos lado a lado”, afirma Pretto. O fêmur, neste caso, foi importante para estimar o tamanho do dinossauro porque, entre outros cálculos e comparações, o comprimento de sauropodomorfos tende a ser dez vez maior do que comprimento femoral.
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PRIMEIROS RESTOS DO BAGUALOSAURUS AGUDOENSIS COMO FOI ENCONTRADO NA ROCHA. ALGUNS DENTES DO ANIMAL PODEM SER VISTOS NO CENTRO DA IMAGEM. (FOTO: CRISTINA BERTONI-MACHADO) |
Há 233 ou 230 milhões de anos, idade estimada da rocha onde o dinossauro foi encontrado, a vegetação local “era dominada por samambaias primitivas, cavalinhas e cicadáceas, além de pinheiros primitivos (muito parecidos com araucárias e ginkgos)”.
O crânio do Bagualosaurus também é bem típico dos sauropodomorfos, já que ele é menor se comparado ao restante do corpo. Isso se explica porque o pescoço longo dos sauropodomorfos não conseguiria sustentar uma cabeça muito grande e pesada na sua extremidade.
Por essas características, o dinossauro gaúcho pode ajudar os cientistas a compreenderem melhor a evolução dos dinossauros gigantes herbívoros. Afinal, a história de toda a linhagem de sauropodomorfos remonta a esses dinossauros relativamente pequenos, que viveram há 230 milhões de anos.
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FOTO E RECONSTRUÇÃO (PARTES PRESERVADAS REPRESENTADAS EM COR MAIS CLARA) DO CRÂNIO E MANDÍBULA DE BAGUALOSAURUS AGUDOENSIS. (FOTO: LUIZ FLÁVIO LOPES – UFRGS. ILUSTRAÇÃO: FLÁVIO PRETTO.) |
Levando em consideração a dificuldade de se achar fósseis de dinossauros — que, quando são encontrados, na maioria das vezes estão incompletos —, esbarrar em um fóssil é sempre uma boa notícia. “Cada pequeno achado que a gente faz é uma peça que a gente vai somando nesse quebra-cabeça”, avalia o pesquisador.
A descoberta do Bagualosaurus também ajuda a responder a uma pergunta que persegue os paleontólogos. O que veio primeiro: a herbivoria ou o pescoço longo? Ao que tudo indica, primeiro, os dinossauros se tornaram herbívoros eficientes e, só depois, conseguiram desenvolver um pescoço. Estudos anteriores já apontavam para essa resposta: para que você cresça e consiga se sustentar, primeiro, você precisa de uma fonte de energia abundante e de fácil aquisição. Foi o que aconteceu com os dinos.
Fonte: Revista Galileu
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